terça-feira, 6 de abril de 2010

Herança

Mãe, é interessante perceber como existem muitas pessoas vivendo o que estou vivendo. Li num blog e-xa-ta-men-te o que tenho vivido: uma das heranças que você me deixou foi o medo. Medo de o papai morrer, medo de ver acabar o pouco que resta de nós, medo de repente ficar mais sozinha ainda, de esquecer nossa história. Se o papai adoece, se tosse, eu surto. "O telefone toca fora de hora eu penso em desgraça. O medo tá grudado em mim, viscoso, frio e verde. E forte. Desde sua doença eu convivo com o medo de perder quem eu amo. O medo de perder quem me ama. É muito difícil viver assim. É como uma sombra fria que fica me falando 'cuidado, cuidado...' e me tira a alegria, muitas vezes." Eu vou na terapia. O medo faz parte de mim. Já existia quando eu era criança e sonhava que os perderia, lembra-se? Depois passou por um tempo. Agora voltou com força. É um exercício desgastante afastá-lo o tempo todo. Na vigília da páscoa eu não me sentei perto do papai e fiquei perturbada, com medo de não estar ao lado dele e aquela poder ser a última páscoa de um de nós. "Eu tenho inveja de quem não tem motivo pra ter medo. É muito difícil, mãe, conviver com uma voz que fala no seu coração 'será que é dessa vez?'".

Engraçado que você me deixou o medo, mas também a coragem, ainda que no fundinho, de continuar, porque eu tenho muito de você, do seu jeito. E também do instinto que Deus colocou em nós, de viver, custe o que custar. Tenho conhecido pessoas que há 20 anos perderam entes queridos e ainda choram de saudade.
Sua morte física é muito recente. Ainda não entra na minha cabeça.
No calendário faz 14 meses. No coração faz algumas horas.

Um comentário:

  1. "Engraçado" q mesmo tendo conhecido sua mãe tão pouco ela tb me deixou essa herança:o medo.

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