terça-feira, 6 de abril de 2010

Mais uma lembrança

Mamãe é dessas mulheres vigorosas, cheias de charme e beleza. Voz suave e rosto delicado, nariz pequeno, lábios carnudos, cabelos enrolados castanhos escuros. De vez em quando roía unhas. Quando queria, deixava as unhas compridas, quadradas, e pintava-as de vermelho. Desde que me entendo por gente lembro-me de vê-la com batom nos lábios, salto alto e toda arrumada. Sempre amou ler. Devorava livros e mais livros. Lia acima de tudo a Bíblia. Mulher de oração. De palavras sábias. De atitudes concretas. Sem respeito humano, sem meias palavras. Sempre soube das coisas. Antes de morrer chorou muito, dizendo que queria conhecer os netos. Morreu assim que fez 57 anos. Ela sabia que não sobreviveria a essa doença maldita. Sempre soube. Como sabia de muitas outras coisas. Mulher cheia de discernimento.
Eu acreditei até o último minuto que a veria novamente aqui em casa. Tive uma fé insuperável. Realmente acreditei que aconteceria o milagre que eu esperava. Mas não foi como eu imaginei, não foi como desejei, como implorei.
Mãe, você sabe que fizemos de tudo, né? Seu amor ao Céu sempre foi tão lindo e forte, que você lutou com todas as forças pra continuar vivendo. Não se entregou. Lutou resignada, bravamente, com coragem, sem reclamar, sem desanimar.
Hoje você sabe que corri como louca pelos corredores do hospital buscando ajuda. Parava médicos que nem conhecia, pedindo que solucionassem, que te ajudassem de alguma forma. Rezava, chorava, corria, não sabia o que fazer.
Liguei pra mais de dez pessoas tentando encontrar alguém que tivesse uma varinha de condão, uma oração mais poderosa que a minha, uma saída miraculosa.
Nada surtia efeito. Estávamos desnorteados. Médicos acostumados a isso, diziam que lamentavam e permaneciam impassíveis.
Como somos impotentes!
Eu me dividia entre te ver na UTI e tentar buscar ajuda. Queria ficar ali, sem desgrudar de você. E ao mesmo tempo não conseguia suportar aquele suplício, te ver desfigurada.
Você mereceu o Céu antes de todos nós. Alcançou a meta, o alvo, e continua sabendo de tudo.
Me faz falta acordar com seu bom dia, ir lá no quarto com sono e deitar do seu lado pra ficar mais 5 minutos. Ver seu rosto com as marcas do travesseiro, sentir o cheiro do seu café forte e viver o dia ao seu lado.
Antes de deitar, toda noite me lembro de você limpando a pele, passando cremes no rosto, vestindo o pijama, arrumando a cama com o papai, me dando boa noite.
Quantas noites de risadas, vocês dois lá no quarto e eu ouvindo as partilhas, rindo junto...
Quantas noites em São Paulo, quando a Lilinha morava conosco, a gente via TV no quarto nós quatro em cima da cama.
Saudade do seu tempero, das comidas que sei que nunca mais vou comer, dos conselhos, das advertências. Já tivemos desentendimentos, discussões, como toda família, mas nada se comprara à dor da ausência, do não ter mais, do sentir falta e não encontrar. Sua morte foi, de verdade, o primeiro desgosto que você nos deu.
Hoje eu queria dormir no seu colo, sentir de novo que nossa família está segura.

Um comentário:

  1. Ai minha querida, muita força pra vc!
    Vc é forte! Vcs todos vão ficar bem! Acredite!
    Estamos juntas!
    Um beijo enorme! Vi

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